25 ago 2021

A dispensa do trabalhador como estratégia de enfrentamento do limbo previdenciário

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Série “Limbo Previdenciário Trabalhista” – Texto 10

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No último texto que escrevi sobre o chamado limbo previdenciário-trabalhista e suas repercussões, explorei sobre a possibilidade de deixar o empregado em repouso fora do ambiente laboral (“deixar o trabalhador em casa”), mas não negar-lhe o pagamento dos salários até que reestabeleça a aptidão laboral, como estratégia de enfrentamento do limbo previdenciário-trabalhista.

Lembro-os que o chamado “limbo” ocorre quando o Médico do Trabalho/Médico Examinador (comumente chamado de “Médico da Empresa”), após ter avaliado e qualificado determinado empregado como “inapto” para sua função, o encaminha para o serviço de Perícias Médicas da Previdência Social, sugerindo, mediante atestado médico (próprio e/ou do Médico Assistente do trabalhador), determinado lapso de tempo para respectivo tratamento e recuperação. Por sua vez, o “Perito do INSS” nega esse afastamento. Assim, o trabalhador ficará, ao mesmo tempo, sem o recebimento do salário e do benefício previdenciário, ou seja, ficará no “limbo”. Vale lembrar também que, nessas condições, o contrato de trabalho já está em plena vigência, ainda que o empregado esteja sem trabalhar e apenas à disposição do empregador. O tempo, nessa condição, deve ser remunerado como se o trabalhador estivesse trabalhando, conforme já exposto fartamente nos textos anteriores.

Hoje, abordarei aquela que, na minha opinião, é a mais drástica forma de enfrentamento do “limbo”: a demissão do trabalhador. Para uma melhor explanação sobre essa dramática possibilidade, começo com a seguinte provocação: na vigência do impasse entre Perito Médico Federal e Médico do Trabalho/Médico Examinador, a empresa poderá dispensar esse empregado? Sendo considerado “capaz” pelo Perito Médico Federal, a dispensa do empregado (rescisão do contrato de trabalho, sem justa causa), em tese, está permitida por lei. A mesma conclusão se extrai das seguintes decisões abaixo (entre muitas outras já publicadas na Justiça do Trabalho):

“EMENTA: RETORNO AO TRABALHO APÓS ALTA PREVIDENCIÁRIA. RECUSA INJUSTIFICADA DO EMPREGADOR. LIMBO JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO. ‘… cessada a percepção do auxílio-doença acidentário, é atribuição da Reclamada, a partir daí, inserir o trabalhador em suas atividades, ainda que o readaptando a atividades compatíveis ou então despedi-lo…’” (Processo: AIRR 10288920125050463)

“EMENTA: “INCERTEZA QUANTO À APTIDÃO DO RECLAMANTE PARA O TRABALHO. AFASTAMENTO. SALÁRIOS. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL. Se o empregador discorda da decisão do INSS que considerou seu empregado apto para o trabalho deve impugná-la de algum modo, ou, até mesmo, romper o vínculo, jamais deixar o seu contrato de trabalho no limbo, sem definição.” (Processo: RO 0000565-04.2010.5.05.0016).

Conforme as mencionadas decisões, é preferível que a empresa ponha fim ao vínculo contratual com o empregado a deixá-lo no “limbo”, sem definição. Importante destacar que a responsabilidade dessa difícil decisão recai sobre a empresa, cabendo a ela efetivar uma solução para o fim do “limbo”. É o que se extrai da decisão a seguir:

“EMENTA: SALÁRIO SEM TRABALHO. DIVERGÊNCIA ENTRE PERÍCIA DO INSS E DO MÉDICO DO TRABALHO DA EMPRESA. REPARAÇÃO DEVIDA PELA EMPRESA. Constatada a divergência entre pareceres médicos advindos da empresa e da autarquia previdenciária, cabe à empregadora, e não ao empregado, buscar a solução para o impasse.” (Processo: RO 0001503-82.2013.5.03.0134)

Para alguns magistrados, caso o empregador não se posicione de forma a extinguir o “limbo”, a chamada rescisão indireta ou despedida indireta é permitida. Essa modalidade de término contratual ocorre por iniciativa do próprio empregado quando o empregador comete falta considerada grave em relação ao trabalhador. Essas faltas estão previstas no art. 483 da CLT. Nessa esteira veio a decisão a seguir:

“RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA. RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO. LIMBO PREVIDENCIÁRIO. Cessada a suspensão do contrato de trabalho e apresentando-se a empregada ao local de trabalho, e empregadora deve pagar salários e exigir trabalho ou tomar as medidas cabíveis em relação aos fatos novos advindos da relação de emprego após a alta. Deixando de pagar os salários após a alta previdenciária, é cabível a rescisão indireta.” (Processo: RO 00204278120165040305)

No próximo texto dessa série, abordarei sobre os (muitos) riscos jurídicos que envolvem a demissão de um trabalhador como estratégia de enfrentamento do limbo previdenciário-trabalhista. Até lá!

Autor: Marcos Henrique Mendanha (Instagram: @professormendanha): Médico do Trabalho, Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas. Advogado especialista em Direito do Trabalho. Autor do livro “Limbo Previdenciário Trabalhista – Causas, Consequências e Soluções à Luz da Jurisprudência Comentada” (Editora JH Mizuno), e “Medicina do Trabalho e Perícias Médicas – Aspectos Práticos e Polêmicos” (Editora LTr). Coautor do livro “Desvendando o Burn-Out – Uma Análise Multidisciplinar da Síndrome do Esgotamento Profissional” (Editora LTr). Diretor e Professor da Faculdade CENBRAP. Mantenedor dos sites SaudeOcupacional.org e MedTV. Coordenador do Congresso Brasileiro de Medicina do Trabalho e Perícias Médicas, e do Congresso Brasileiro de Psiquiatria Ocupacional. Diretor Técnico da ASMETRO – Assessoria em Segurança e Medicina do Trabalho Ltda (Goiânia/GO). Colunista da Revista PROTEÇÃO.

Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal do colunista Marcos Henrique Mendanha, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.

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